Encontro com a Noite
Nas noites nuas e cruas eu me ligo e religo... Desligo!
Ouço toadas encastoadas ao som de tambores alegres,
selvagens, ecoantes.
Nos terreiros festejam os orixás o encanto, a cor e a
brandura de um ventre livre.
Candeias acesas ao vento me chamam ao encontro de sonhos e
fantasias...
Serenatas acabrunhadas fazem mimos aos amantes.
O silêncio acalma e acolhe os sussurros e gemidos de almas
apaixonadas.
Canta o galo, o rei da madrugada.
Entrega o ventre a dama sonolenta, sem sequer entender o que
a acalenta...
As luas claras, aladas, assanhadas, dançam leves, suaves
Aos ventos serenos molhados, úmidos da orvalhada...
Nas cataratas borbulham águas cristalinas espelhando a luz
da estrela Dalva.
Sob nuvens ensandecidas e ventos despercebidos, a lua lambe
as calçadas.
É com os vampiros que falo e fujo ao tilintar de ecos
celestes, retumbantes, isolados...
Sombras gigantes se afloram e desenham formas na grama
molhada...
Braços rupestres em acenos e em festa comemoram a alvorada.
Margaridas se beijam em festa, copos de leite se abrem ante
a garoa gelada.
O orvalho farto navega nas folhagens, que com ternura
oferecem o fluido ao firmamento.
Saudade da passarada, que antes só cantava e hoje chora
triste seu lamento.
Ouvem-se acanhadas e despistadas passadas, como se ilegal
fosse a caminhada
a sondar os segredos das cascatas, densas, longas, calmas,
agitadas.
A selva canta pela madrugada, disfarça seus perigos, abriga
cantos, silvos e ninhadas.
No embalo da brisa retirante principia o alvoroço intrigante
de seres ao despertar na madrugada.
Presságios animalescos captam os sons das passadas firmes de
uma manada.
Insetos raros, alados, se cruzam como coriscos em diferentes
zumbidos...
Na caravana celeste; pirilampos aparecem e oferecem suas
luzes da ribalta.
Caranguejos e répteis correm ao encalço de suas presas
cansadas.
No gélido chão da mata escura, repousa tranquila a fera
indomada
Comportas se abrem e naves reviram os céus, os amores, as
dores.
A noite guarda tantos enredos e segredos, desde lamentos,
choros e desejos,
risos, romances, serenatas tantas, em doces sonhos e reais
lampejos
O universo inteiro segue seu curso natural, oportuno,
normal, ante os olhos perdidos do hominídeo e a perplexidade e a dor do animal.
Enquanto não chegam as chuvas de verão e as mudanças de
estação, as noites, com seus mistérios, segredos e fantasias convidam todos a
sonhar, vibrar, amar e despertar de um triste ou lindo sonho!... Assim segue a
vida...
Maria Raquel de Oliveira Souza